Relações hídricas
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2. Relações hídricas das células e tecidos
A biologia moderna está, em grande parte, baseada nos conceitos da físico-química e em especial da teoria cinética, pela qual é conceituado que todas as partículas de dimensões atômicas e moleculares estão em constante movimento, em todas as temperaturas acima do zero absoluto (-273,16 oC). Por meio da suposição de que as moléculas se movem constantemente é possível explicar processos como a difusão, reações químicas, pressão dos gases, potencial hídrico, e diversos outros fenômenos ocorridos nas plantas. Uma visão geral sobre os conceitos de energia livre será de grande valia no entendimento dos princípios termodinâmicos envolvidos nesta discussão.

2.1 Relações energéticas do sistema água-planta
A complexidade do sistema água-planta requer o emprego dos conceitos da termodinâmica para definir as interações físicas ocorridas e expressar o "status" energético da água. A energia associada ao sistema água-planta é de natureza cinética e potencial. A contribuição do componente cinético é relativamente baixa devido à baixa velocidade do movimento da água nas plantas. Entretanto, a água neste sistema possui energia potencial desde que se desloca em resposta a certas forças inerentes ao organismo vegetal.
A água nas células e por extensão nos tecidos busca constantemente o equilíbrio termodinâmico obedecendo à tendência universal de se mover dos locais onde apresenta maior energia para aqueles, onde o nível energético é mais baixo. Isto confere um caráter dinâmico, ou seja, que varia temporalmente e espacialmente. Estas relações ficarão mais claras quando da discussão dos conceitos de potencial hídrico e de seus componentes.

2.1.1 Conceitos de energia livre
As plantas e os animais necessitam de um contínuo suprimento de energia livre, sem a qual, eles entrariam em equilíbrio, e como conseqüência cessaria a vida. O sol é a fonte primordial de energia livre e por meio da fotossíntese as plantas armazenam a energia radiante sob a forma de compostos intermediários ricos em energia, como ATP e NADPH+H+ , e posteriormente sob a forma de ligações químicas que resultam quando o CO2 e a água reagem para formar os carboidratos. Na respiração, a energia livre é reconvertida a ATP, sendo utilizada para realizar trabalho biológico.
Ao invés de estudar todo o universo a termodinâmica define pequenas partes do mesmo, que são chamadas de sistemas . Um sistema pode ser uma célula, uma folha ou mesmo toda a planta. Quando um sistema passa de um estado A para um estado B, a quantidade mínima de trabalho necessária para ocasionar esta mudança pode ser definida como o aumento da energia livre associado com esta alteração. Por outro lado, o decréscimo da energia livre quando o sistema passa do estado B para o estado A, representa a quantidade máxima de trabalho que pode resultar desta transição. Assim, os limites de trabalho feito no sistema ou pelo sistema quando ele passa de um estado para o outro, estão relacionados a mudanças de energia livre. Por exemplo, na Figura 3, o sistema admitido é o universo em dois instantes, momento atual e pré-big bang.
O conhecimento da energia livre sob uma condição quando comparada com a existente em outra, nos permite predizer a direção de uma mudança espontânea. Em um sistema sob condições de temperatura e pressão constantes, numa mudança espontânea sempre se verifica o decréscimo de energia livre.
A maior parte dos sistemas biológicos está submetida às condições de temperatura e pressão atmosférica constantes, pelo menos por curtos períodos de tempo. Para estas condições, a energia livre de Gibbs representa a capacidade de um sistema realizar trabalho, sendo determinada pela contribuição aditiva de cada espécie que compõe o sistema.
A energia livre de Gibbs está relacionada com a energia total do sistema pela fórmula que expressa a 2a lei da termodinâmica .

Equação 1
Onde G expressa a variação da energia livre de Gibbs, H a variação da energia total do sistema e TS a energia não disponível para realizar trabalho, sendo T a temperatura do sistema (oK) e S a entropia. A entropia é um parâmetro termodinâmico que mede o estado de desorganização do sistema que está intimamente correlacionado com o equilíbrio que é atingido quando a entropia atinge um ponto máximo.


Figura 3. Esquema mostrando dois momentos distintos do universo. Em B, o momento pré-big bang é representado, note que o grau de desordem é mínimo e o conteúdo de interno de calor do universo pode ser considerado máximo, neste instante, a matéria estava concentrada em um mesmo ponto. Enquanto em A, a partir do big bang, a entropia (desorganização) do universo tende sempre à elevação e o conteúdo interno de calor do sistema tende ao declínio. Note que se a mudança fosse de A para B, seta inferior, haveria a necessidade de entrada de energia para que o processo ocorresse.


2.2 Potencial hídrico
Fluxo em massa ocorre em resposta a um gradiente de pressão, envolvendo um grupo de moléculas que se movimentam juntas (água + solutos).
Quando a diferença de pressão é estabelecida pela gravidade (por exemplo, peso do fluído), tem-se a pressão hidrostática. O fluxo em massa nos tecidos vasculares pode ocorrer devido a diferenças de pressão criadas pela difusão.
Normalmente, a água e os solutos entram e saem das células vivas não por fluxo em massa, mas uma partícula (molécula) de cada vez.
"Chama-se difusão ao movimento espontâneo, ao acaso, de partículas individuais (moléculas ou íons), devido à sua energia cinética".
Todas as moléculas estão em constante movimento acima do 0º absoluto (0º Kelvin = -273ºC) e possuem certa quantidade de energia cinética. Geralmente não se observa claramente a difusão, pois é muito lenta quando se trata de distâncias macroscópicas, e o fluxo em massa de líquidos e gases é muito comum. Observa-se difusão ao colocar cristais de açúcar ou corante em água; as moléculas do soluto se difundem para as regiões menos concentradas, e as moléculas de água se difundem, ao mesmo tempo, das regiões mais concentradas em água para onde estão os cristais (Figura 4). O equilíbrio se estabelece quando as moléculas de água e soluto estiverem distribuídas igualmente.


A B


Figura 4. Esquema mostrando dois sacos revertidos por uma membrana semipermeável (por exemplo, celofane) imersos em um recipiente contendo água, interligados por um tubo. No saco B foi adicionado um soluto (e.g. açúcar). Deste modo, as moléculas do soluto (pontos escuros) se difundem para as regiões menos concentradas, em direção ao saco A, e as moléculas de água (pontos claros) se difundem, ao mesmo tempo, das regiões mais concentradas em água para onde estão os cristais, em direção ao saco B.

A Lei de Fick indica que a difusão pode sempre ocorrer espontaneamente, a favor de um gradiente de concentração ou potencial hídrico, até que o equilíbrio seja adquirido. No equilíbrio, nenhum movimento do soluto pode ocorrer sem a aplicação de uma forca direcionadora. Na Figura 4, a forca direcionadora para a difusão da sacarose é a energia do gradiente, estabelecido no inicio do experimento por causa da diferença de concentração.
O movimento ou transporte em um sistema biológico também pode ser direcionado por outras forcas (pressão hidrostática, gravidade e campos elétricos). Entretanto, em sistemas biológicos a gravidade raramente contribui substancialmente como forca direcionadora. Quando o gradiente de concentração é a fonte de energia potencial esta é definida de potencial químico de qualquer soluto de acordo com a seguinte relação:
Equação 2

Na Equação 2, j é o potencial químico da espécie de soluto j em joules por mol; mjo potencial químico de j em condições padrão; R é a constante universal de gases; T é a temperatura absoluta, e Cj é a concentração (mais precisamente a atividade) de j. O termo elétrico, zjFE, aplicá-se somente para íons dissolvidos, z e a carga eletrostática do íon, F é a constante de Faraday (equivale à carga elétrica de um mol de prótons), e E é o potencial elétrico total da solução (em relação ao padrão). O termo final, VjP, expressa a contribuição do volume (V) e pressão (P) de j para o potencial químico de j. Este último termo tem a menor contribuição para o mj do que os termos de concentração e elétrico. Desde que a água e uma neutra, e o componente elétrico não influencia em seu potencial químico.
Assim, utilizando a Equação 2.1 e eliminando os componentes não significativos para a espécie água (w) temos.
Equação 2.1

Assim sendo, o potencial químico da água se resume na seguinte Equação:
Equação 3
Onde Cw representa a atividade de água, que é a relação entre a pressão de vapor da água no sistema (e) e a pressão de vapor da água no estado padrão (eo).
Em fisiologia vegetal e nas ciências do solo, o movimento da água, incluindo a difusão, são estudados em termos de pressão, sendo utilizada a seguinte definição de potencial hídrico. O potencial hídrico (w) é o potencial químico em um sistema ou parte do sistema, expresso em unidades de pressão e comparado com o potencial químico (também expresso em unidades de pressão) da água pura nas mesmas condições de temperatura, pressão e altura, com o potencial hídrico da água de referencia considerado como zero. Esta definição e expressa pela seguinte relação:
w =( - wo) / Vw Equação 4

Desta forma, deve-se dividir os termos de Equação por uma unidade de volume (Vw) para obter uma unidade de pressão (w). Deste modo, a transformação de unidade de energia para a unidade de pressão se processa da seguinte forma:

w = ( - wo)/Vw = (RTln (e / eo))/ Vw Equação 4.1

Analisando a Equação 4.1, pode-se perceber que o potencial hídrico (w) é equivalente à diferença, em energia livre por unidade de volume molal, entre a água do sistema e a água pura, na mesma temperatura. Se considerarmos a água pura, o resultado será zero. Normalmente, a pressão de vapor da água no sistema (e) e menor do que a pressão de vapor da água no estado padrão (eo) que assume valor zero, ou seja, normalmente o mw terá um valor negativo.
No caso da água pura, e = eo e w = 0. Portanto, o potencial hídrico é, freqüentemente, negativo nas células; tecidos e solução e no máximo assume o valor zero para a água pura.
As unidades de R,T e Vw no sistema internacional são J mol-1 K-1, k-1 e m3 mol-1, respectivamente.
Assim w = J mol-1 K-1 K / m3 mol-1 = J m-3
w = J m-3 = Pa (Pascal)
As unidades mais freqüentemente usadas são o bar, atmosfera, e de acordo com o sistema internacional, o pascal e o megapascal (MPa).
1 bar = O,987 atm e 1 MPa = 10 bar ou 1bar =0, 1 MPa.
Os diversos fatores que afetam o potencial químico da água no sistema são agrupados e avaliados isoladamente, constituindo-se nos chamados componentes do potencial hídrico que são quatro, a saber: Potenciais gravitacional (g), mátrico (m), osmótico (s) e de pressão (p), ver Equação 4.2.
w = ( - wo)/Vw = g + m + s + p

2.2.1 Componentes do potencial hídrico
O potencial hídrico em qualquer sistema é afetado por diversos fatores que modificam o potencial químico das moléculas de água e, por conseguinte, da energia livre de Gibbs. Para facilitar o isolamento e a avaliação dos fatores foram caracterizados e definidos diversos componentes do potencial hídrico.
O potencial hídrico (w) de um sistema é reduzido pela adição de substâncias polares e, ou íons ao meio, pois as moléculas dipolares da água são atraídas e retidas por estes solutos, induzindo um decréscimo na atividade da água (cw, na Equação 3). O potencial osmótico (s) é o componente que define estas interações tendo, conseqüentemente, um valor negativo. O p varia muito pouco na maioria das células vegetais, com exceção das do mesófilo, floema e estômatos.
A modificação da pressão sofrida pela água no sistema pode também causar variação do potencial hídrico. O potencial ou pressão de turgescência (p) define estas modificações e resulta da entrada de água seguindo um gradiente de potencial hídrico favorável. À medida que a água penetra na célula, passa a exercer uma força por unidade de área (pressão) causando uma distensão na parede, que é contrabalançada por uma pressão igual mais de sentido contrario, chamada de pressão de parede. À medida que a parede se distende, sua resistência às extensões subseqüentes aumenta, de tal maneira que o desenvolvimento do p não está linearmente relacionado com mudanças de volume celular (Figura 5).
O P pode ser positivo como, por exemplo, em células túrgidas; podendo também alcançar valores negativos, o que ocorre nas células do xilema das plantas sob condições de transpiração intensa ou pode ser igual a zero, como nas células em estado de plasmólise incipiente. A ocorrência do p negativo em outras células que não nos elementos de vaso do xilema não foi ainda demonstrada experimentalmente.
O potencial mátrico (m), que também tem um valor negativo, é o componente do potencial hídrico que define as influências que as forças de superfície dos colóides e espaços intermicelares exercem sobre o potencial hídrico da água. Embora estas interações pudessem ser adequadamente representadas pelas suas contribuições aos potenciais osmóticos e de turgescência, o potencial mátrico permite o isolamento e identificação destas forças de uma maneira mais específica. O conceito de potencial mátrico é extremamente importante na caracterização do processo de embebição e estudo das relações hídricas no solo como discutiremos posteriormente.
O potencial gravitacional (g) expressa a ação do campo gravitacional sobre a energia da água. Ele é definido como o trabalho necessário para manter a água suspensa em determinado ponto em relação à atração da gravidade. O potencial gravitacional também não é medido como um valor absoluto e para determinar sua magnitude é necessário atribuir um ponto de referência arbitrário, no qual o g é igual a zero. Normalmente, a superfície do solo é tomada como referencial.

Figura 5. Diagrama de Höfler, Os componentes do potencial hídrico (w) sofrem mudanças à medida que a célula fica túrgida. O potencial osmótico (s) é calculado levando em consideração a alteração do volume celular, ou seja, segundo uma curva de diluição, ver Equação 5. A curva de pressão (P) é arbitrária, mas expressa o fato de que as células com pressão zero podem absorver água. Inicialmente o incremento da pressão dentro da célula é lento, em seguida se torna rápido. Aumentando o volume da célula o potencial osmótico, torna-se mais positivo. A curva de potencial hídrico é a soma algébrica das curvas de pressão e potencial osmótico. De acordo com a seguinte Equação, a saber: = P - s.

O g em um dado ponto na planta situado a um metro acima do solo (referencial) apresentará um g de cerca de +0,01 MPa. Este componente de potencial hídrico se torna importante somente quando do estudo do movimento de ascensão da água nas plantas de grande porte e percolação da água através dos poros do solo.
Portanto, para uma célula vegetal, sob condições isotérmicas, a Equação abaixo expressa a ação de todos os fatores acima descritos sobre o potencial hídrico de uma célula vegetal.
Componentes do potencial hídrico
w = g + m + s + p



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